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México: uma guerra civil de alta intensidade

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Post by ritandrade Sun Sep 05, 2010 3:19 pm

Ciudad Juaréz, burgo mexicano fronteiro a El Paso, no Texas, vai silenciar este ano, e pela primeira vez, as comemorações do Grito de Dolores (Viva la independencia, viva la Virgen de Guadalupe, muera el mal gobierno) com que Miguel Hidalgo iniciou, há 200 anos, a luta contra Espanha pela independência.

Pois que se a data é redonda e a efeméride consubstancial à pátria, aquela está outra vez mergulhada numa guerra. Também civil, mas atípica, travada entre cartéis do narcotráfico e forças governamentais, e cuja intensidade escalou desde que Felipe Calderón assumiu a presidência, em Dezembro de 2006. Procurando legitimar-se, lançou o combate ao tráfico que ceifou para lá de 28 mil vidas (3000 nos últimos dias de Julho). Até ao limiar do ano, estimam-se que cheguem aos 18 mil. Uma chacina.

Corrupção daninha

Encabeça o cortejo de cadáveres Ciudad Juaréz, a mais violenta do México - 1700 óbitos só este ano - e cujo domínio é disputado pelo Cartel de Sinaloa e o de Juaréz. Esta inovou há dois meses, ao constituir um corpo de mulheres belíssimas, com idades entre os 18 e os 30 anos, com a missão de seduzir, e abater, os rivais. Não lhes falta mercado: segundo a Procuradoria-Geral, o negócio da droga mexicana é ainda disputado pelos Arellano Félix, a Organização Beltrán Levya, o Cartel Los Zetas, o Cartel do Golfo e o "La Família".

Resultantes de fusões e dissensões, cresceram a partir da década de 90, beneficiando da decapitação dos congéneres colombianos de Cali e Medellin e da vigilância cerrada, pelos EUA, das rotas das Caraíbas controladas pelos traficantes cubanos de Miami. Herdaram assim os canais que fornecem, via América Central, 90% da cocaína consumida nos EUA, à qual juntaram marijuana e ópio de cultivo próprio e os químicos de produção doméstica. Introduzidos nos EUA por mar, terra e ar, geram receitas que representam, segundo reputado especialista e conselheiro da ONU, Edgardo Buscaglia, entre 44 a 48% do PIB mexicano.

Brutais proventos tornam a guerra em curso desigual. Com óbvia desvantagem para o Governo, não só pelo arsenal que os cartéis possuem - mísseis, helicópteros e até submarinos -, fora do alcance das próprias Forças Armadas Mexicanas (FAM), mas também pela corrupção que fomenta num país onde o salário de 61% dos 371 mil polícias municipais é inferior a 300 euros. A expulsão, esta semana, de 3200 agentes corruptos da Polícia Federal (10% do efectivo) é paradigmática da extensão do fenómeno. Sabendo-o, Calderón enviou para o terreno as FAM que, não raro, combatem ex-camaradas ao serviço dos capos sobre os quais abundam mitos que ilustram canções populares de novo género - o Narco Corrido, derivação do tradicional mas agora dedicado à vida dos traficantes. E aqueles, embora variáveis na fisionomia e no carácter, comungam o gosto por armas banhadas a ouro cravejadas de diamantes... e a fúria sanguinária.

Cartel de Sinaloa

O mais famoso será Miguel Ángel Félix Gallardo, o Padrinho, fundador do primeiro cartel do México, o de Guadalajara, que chefiou até ser detido em 1989 - agora, com 64 anos e 20 de cativeiro em Altiplano, quase surdo e cego, o patriarca assassino já nada pode. Órfão, o seu império foi adoptado por duas facções: o Cartel de Tijuana, liderado pelos sobrinhos, os Arellano Félix, e o dissidente de Sinaloa, que o Governo tem como o mais poderoso, melhor estruturado e mais protegido (por polícias e militares!). Responsável por 45% do tráfico e produção de drogas no país, é chefiado por um homem que figura na lista de milionários da Forbes, com fortuna de mil milhões de dólares - Joaquín Guzmán Loera, El Chapo (O Pequeno, por medir 1,5 metros). É ele que mais narco corridos inspira.

A biografia do menino pobre expulso de casa pelo pai e alcandorado, aos 55 anos, a traficante mais poderoso da América Latina, com 3500 empresas em mais de 40 países, é pródiga em lendas. Preso em 1993 pelo homicídio de um bispo, fugiu em 2001 da prisão de segurança máxima "Puente Grande". E nunca mais foi capturado - escapou sempre in extremis sem recorrer à AK-47 banhada a ouro, antes subornando agentes do próprio Estado que lhe denunciam as operações. Casado três vezes, a última com Emma no dia em que ela fez 18 anos, sofreu rude golpe em 2008, ao perder o filho, Édgar. Foi abatido num tiroteio com o cartel dos irmãos Beltrán Leyva, antigos parceiros tornados inimigos. Implacáveis e quase tão poderosos como El Chapo, são o cartel mais golpeado pelas autoridades.

Organização Beltrán Levya

Nascidos em Sinaloa, os cinco irmãos Beltrán Levya - Arturo, Mario Alberto, Carlos, Alfredo e Héctor - nem sempre foram autónomos. Pelo contrário, serviam El Chapo como sicários. Todavia, em 1997, morto outro capo mítico, Amado Carrillo - o líder do Cartel de Juárez, chamado Senhor dos Céus pelos 27 aviões 727 em que fazia transportar a droga -, durante uma cirurgia plástica, os Leyva aliaram-se ao irmão de Carrillo, e com ele cresceram. A tiro. Ganharam dimensão e prestígio para, em 2002, quando foi criada a "Federação", aliança de traficantes para combater o Cartel do Golfo, Arturo, o primogénito, partilhar o comando com El Chapo.

O idílio durou pouco. Em Janeiro de 2008, a Federação dissolveu-se após a detenção de Alfredo, que os irmãos atribuíram à traição de El Chapo. Estalou a guerra entre ambos, envolvendo também os sanguinários Zeta, dissidentes do Cartel do Golfo aos quais os Leyva se aliaram. Foi uma temporada de terror puro, com vários massacres. Liderados por Arturo, chamado A Morte ou Chefe dos Chefes, os Leyva possuíam armas sofisticadas, serviço de espionagem próprio, um exército paralelo de kaibilis (mercenários do Guatemala), e agentes estatais comprados que lhes davam a impunidade por garantida.

Não a tinham, como percebeu Arturo em Dezembro último, antes de ser crivado pela metralha da Armada. O desbaste prosseguiu duas semanas depois, com a detenção do benjamim, Carlos, e a fuga de Héctor, o cérebro financeiro. O último capítulo ocorreu no início desta semana, com a prisão do homem que reclamava a chefia: Valdez Villareal. O texano de 37 anos, loiro, tez rósea e olhos azuis chamado de Barbie, é um personagem de filme. Assassino implacável, iniciou a carreira a recrutar pistoleiros para El Chapo, transferindo-se depois para os Leyva, chegando a lugar-tenente de Arturo graças ao gosto por sangue. Exuberante, passeava-se de Versace pelas discotecas selectas de Acapulco, a que chegava de bólides exclusivos e fêmeas de luxo. Não obstante, os Leyva não estão acabados. Falta o tiro de misericórdia que evite o renascimento, como sucedeu com o Cartel do Golfo.

Cartel do Golfo

A raiz do Cartel do Golfo remonta à Lei Seca dos anos 1930, nos EUA, para onde Juan Nepomuceno Guerra contrabandeava whisky, negócio a que agregou, nos anos 70, marijuana e heroína. O sobrinho, Juan García Abrego, nado em La Paloma, Texas, ampliou a oferta com a mais lucrativa cocaína nos 20 anos seguintes. Capturado em 1996 e extraditado para os EUA, onde cumpre 11 perpétuas, o seu lugar foi disputado por chefes breves até lhe suceder Osiel Cárdenas Guillén. Num golpe palaciano, matou o amigo Salvador El Chava Gómez, tornando-se no líder do cartel, com os Zetas como braço armado.

Detido em Março de 2003, Cárdenas foi encarcerado na prisão de Altiplano, onde forjou aliança com outro prisioneiro de monta, Benjamin Arellano Félix, chefe do Cartel de Tijuana, contra o Cartel de Sinaloa e o de Juárez. Seguiu-se nova guerra e correlativo banho de sangue, de tal modo que os Zetas, quando Cárdenas foi extraditado para os EUA em 2007, decidiram aliar-se aos Beltrán Leyva. Apesar dos golpes sofridos, o Cartel do Golfo sobreviveu e refundou-se graças à estrutura descentralizada, de células autónomas, sustentando várias frentes de guerra, inclusivamente interna. O inimigo principal é a própria criatura Zetas.

Os mercenários treinados nos EUA

Formado por ex-militares de elite que desertaram do Exército Mexicano, onde integravam um grupo de operações especiais criado em 1994 para sabotar o levantamento zapatista de Chiapas, treinados nos EUA e em Israel, os Zeta alugaram a incrível capacidade de fogo ao Cartel do Golfo. Daquele emanciparam-se em 1999, liderados por Rogelio González Pizana, El Kelin que, preso em 2004, deixou o grupo entregue a Heriberto Lazcano, cérebro do chamado comando negro, o qual radicalizou ainda mais os Zeta.

Com treinos duríssimos de três meses, são as tropas mais sanguinários da guerra dos cartéis - executaram 72 imigrantes, na semana passada, em San Fernando -, e costumam reivindicar as obras gravando um Z nos cadáveres, não obstante terem alterado o nome para "A Companhia". Ambicionando uma fatia do tráfico, entraram em guerra, além do Governo - cujo Exército abateu ontem mais 27 - com os demais cartéis. Um deles, "La Família", reclama até do Governo uma amnistia em prol da sua caça aos Zeta. Sem êxito. Mas a exigência é só mais uma bizarria da "Família".

Assassinos e tementes

É o exemplo mais extremo do inimigo paradoxal que o México enfrenta na cruzada contra o narcotráfico. Pois que os membros de La Família tanto rezam e praticam a caridade como decapitam e torturam. O cartel remonta aos anos 80 e ao estado de Michoacan, quando os produtores de marijuana e ópio da região fizeram um pacto para garantir protecção. Constituída em Cartel pouco depois, aliou-se ao do Golfo, ampliou território e diversificou produtos, investindo no fabrico e distribuição de drogas sintéticas e na pirataria informática. Com a prosperidade, sobreveio a generosidade, e La Família constrói escolas e igrejas.

A dimensão religiosa será o aspecto mais distintivo deste cartel, cujos membros são abstémios e deixam notas, assinadas por La Família, nos corpos mutilados dos rivais sugerindo-os vítimas da "justiça divina". O seu líder, Nazario Moreno Gonzalez, justamente chamado El Mas Loco (o mais doido), publicou a própria bíblia. Nos últimos três anos, a luta pela expansão territorial levou à chacina no estado natal do próprio presidente mexicano, Felipe Calderón, que reforçou em Michocoan tropas e polícias.

A mobilização das FAM e o auxílio activo dos EUA, no âmbito da Iniciativa Mérida, plano de 400 milhões de dólares que visa auxiliar o México no combate ao narcotráfico com equipamento e treino militar, tem frutificado. Na quinta-feira, Felipe Calderón congratulou-se, no Congresso, com a captura de 125 capos e lugar-tenentes graças à sua estratégia. E prometeu não esmorecer.

A bravata não colheu, porém, grandes celebrações junto do povo. Ele sabe que, a cada capo que cai, sucede a disputa pelo lugar e novos derrames de sangue. Cuja vítima principal está fora das fileiras dos beligerantes.

jn
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