Cegos contam como é ter uma vida sexual activa, sem o estímulo da visão
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Cegos contam como é ter uma vida sexual activa, sem o estímulo da visão
Cego desde o nascimento, Eduardo Bertine diz que enxergar não é fundamental para o desenvolvimento da sexualidade. Para o estudante, a visão engana, porque induz a análises superficiais. “O cego tem a oportunidade de conhecer as pessoas de uma maneira mais verdadeira”, afirma. Assim como o olfato, os cegos têm desenvolvidos o tato, a audição e o paladar e utilizam os sentidos na construção de uma imagem. “Depois do cheiro, o toque é muito importante. Costumo dizer que o cego enxerga pelas mãos”, diz a pesquisadora Maria Alves Bruns, que lançou recentemente o livro Sexualidade de Cegos.
Por meio do olfato e do tato, Bertine aprendeu a perceber o mundo à sua volta. “Analiso o conjunto, como o cheiro, o toque, se me sinto à vontade e se tenho afinidades com a pessoa”, explica. O estudante leva em conta também o que ele resume como “a energia que existe em cada indivíduo”. Quando o assunto é sexo oposto, ele afirma que a energia é a principal responsável pelo início de uma relação amorosa. “Quando toco em uma garota e sinto uma energia forte, sei que vou acabar gostando dela.”
O estudante é assíduo freqüentador de bares e shows. Com amigos ou com paqueras, Bertine não se priva da diversão. “A visão não me limita em nada. Mesmo cego eu saio e me envolvo com as pessoas. Basta querer”, aconselha.
A sexualidade pode se tornar complexa na adolescência, quando as emoções estão à flor da pele. “Minha infância foi tranqüila, mas a adolescência, não.
Apaixonei-me por um rapaz e não fui correspondida. Achava que era pela minha cegueira”, diz a advogada Emmanuelle Alkmin.
Emmanuelle, que nasceu cega, afirma que foi criada para não tocar as pessoas. “Então, tinha que descobrir outra maneira de percebê-las. Analiso a voz, o abraço e o aperto de mão.” A advogada conta ainda que é capaz de perceber o olhar de alguém que esteja bem próximo a ela. “Pensam que tenho 30% de visão, mas eu não enxergo nada. Da minha maneira, consigo captar os olhares”, diz.
Cego desde os oito anos, o historiador Benedito Franco Leal Filho também passou por uma fase difícil na adolescência, apesar de ainda manter conceitos de beleza na memória, adquiridos quando ainda enxergava. “Eu me aproximava das meninas e analisava o timbre de voz, o toque e a pele. Aí vinham meus colegas e diziam que ela era bonita e outros diziam que era feia. Eu ficava confuso”, lembra.
Diante de informações antagônicas e baseadas nos gostos dos amigos, Leal Filho passou a levar em conta apenas as suas impressões. Para distinguir uma mulher atraente, começou a prestar atenção no que lhe agradava quando estava perto de uma. “A mulher com uma voz suave me chama a atenção. Falar alto, por exemplo, me incomoda.” Além da voz, o historiador passou a valorizar afinidades e foi assim que se apaixonou por sua mulher.
Obstáculo: desinformação compromete a vida dos cegos e dos que enxergam
Os dois se conheceram em uma viagem de ônibus para Goiás e tiveram a oportunidade de conversar durante o trajeto. “Gostei do timbre da voz, do papo que tivemos e descobri que tínhamos muito em comum”, lembra. De volta a Campinas, começaram a namorar. Estão casados há 11 anos.
Emmanuelle também superou os desencontros da adolescência. “Saio com minhas amigas e paquero como todo mundo. Sou tímida e prefiro ser abordada”, conta.
A percepção que tem dos homens é tão nítida que ela sabe distinguir os feios e os bonitos. “Normalmente, minha análise bate com o físico. Nunca fiquei com homem feio”, brinca.
Ingenuidade e preconceito
Maria Alves Bruns, pesquisadora em sexualidade da Universidade de São Paulo (USP), afirma que o livro Sexualidade de Cegos (Editora Átomo) partiu da falta de informação e pesquisas sobre o tema. “É um assunto muito importante. Percebi que havia pouquíssima literatura a respeito e resolvi pesquisar”, afirma.
A obra foi escrita a partir de 40 entrevistas.
O livro tem a proposta de desmistificar a sexualidade dos deficientes, muitas vezes vistos como indivíduos assexuados. “É ingenuidade e preconceito”, afirma.
O assunto é comum entre Emmanuelle Alkmin e suas amigas. A advogada costuma ser tratada com extremo cuidado quando os pretendentes descobrem que é cega.
“A maioria dos homens costuma me colocar em um pedestal. Gosto de ser tratada como uma mulher normal”, avisa.
O historiador Benedito Franco Leal Filho aprendeu a distinguir as mulheres que se aproximam dele com intuito de ajudá-lo ou de conhecê-lo melhor. “Eu misturava tudo. Quando achava que iriam ficar comigo, elas queriam ajudar. Quando achava que iriam me ajudar, queriam me beijar”, brinca. Com a auto-estima em baixa, Leal Filho não acreditava muito que pudesse despertar interesse no sexo oposto. “As pessoas acham que cego não tem vida sexual. É um preconceito achar que não alimentamos desejos e fantasias.”
Para Eduardo Bertine, há outra questão ainda mais delicada. “Muitos acham que temos algum retardo mental e evitam conversar sobre assuntos mais complexos”, lamenta. O estudante crê que o desconhecimento sobre os deficientes cria percepções errôneas. “Quem não tem contato, acredita que temos outras deficiências, além da visual. Quando nos conhecem, alguns criam um encantamento como se fôssemos criaturas fantásticas”, diz.
Dia-a-dia e estudos
A advogada Emmanuelle Alkmin conta que é capaz de perceber o olhar de alguém que esteja bem próximo a ela. Benedito Franco Leal Filho, historiadorr, conheceu sua mulher em uma viagem a Goiás e está casado há 11 anos.
A pesquisadora Maria Alves Bruns, da USP, autora do livro ‘Sexualidade de Cegos’: pouquíssima literatura a respeito do assunto
Integração sexual
Benedito Franco Leal Filho observa que o preconceito priva os cegos de uma vida sexual mais prazerosa. O historiador defende maior integração entre os que enxergam e os cegos. “O cego tem uma vida erótica pobre porque a sexualidade de deficientes é um tabu”, opina.
A integração defendida pelo historiador deveria ser iniciada ainda na escola, com a abordagem da questão de forma natural. Também importantes são o estímulo a pesquisas, publicações de textos e de livros que tratem do assunto. “Quanto mais se discutir o assunto, melhor”, completa.
A pesquisadora Maria Alves Bruns acredita que a desinformação é um obstáculo social tanto para cegos quanto para os que enxergam. “O sistema educacional vigente não tem uma política de educação sexual. A escola precisa se preparar para isso”, aponta.
Desejos e fantasias
O livro de Maria Alves Bruns foi escrito a partir de 40 entrevistas feitas pela autora e tem a proposta de desmistificar a sexualidade dos deficientes, visto muitas vezes, segundo ela, como indivíduos assexuados.
Prazer na mente
O ato do prazer solitário, que começa na puberdade, tem nas imagens, nos sons e nos aromas os estímulos sexuais. “Para mim, a excitação ocorre pela audição.
Quando ouço uma cena sensual na televisão ou no cinema, tento formar a imagem na minha cabeça”, diz o historiador Benedito Franco Leal Filho. A advogada Emmanuelle Alkmin observa que o desejo feminino é desencadeado por vias diferentes. “O homem se excita com o que vê. A mulher valoriza o toque, a voz e o envolvimento. Então, para uma cega não há tantos problemas”, opina.
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